Ser ou Não Ser?
Traduzido de: Kabbalah Today issue #13
"..ao ter emergido do nada, ao ter um nome, consciência própria, profundos sentimentos internos, uma ânsia interna excruciante pela vida e expressão própria - e com tudo isto morrer. Parece uma farsa." (Ernst Becker, A Negação da Morte)
Mas mais que uma farsa, a Kabbalah mostra que a vida e morte não são de todo o que pensávamos que eram.
A morte é um dos mais inquietantes, embora fascinante, fenómenos que enfrentamos. Em determinado ponto ou outro, esta toca as vidas de cada um de nós, forçando-nos a fazer perguntas profundas e aparentemente sem resposta. As crianças começam a questionar-se acerca deste fenómeno desde muito cedo. Seja pela curiosidade que lhes é trazida pela partida de um animal ou familiar, a criança começa a perguntar aos seus pais porque morrem as pessoas, para onde vamos depois da morte e se voltamos do "outro lado."
Os adultos não estão menos intrigados pela morte. Muitos de nós amamos ver um excitante filme de terror, com cenas horrendas de mortos que se levantam de suas campas a meio de uma noite arrepiante e escura. Ultimamente têm havido muitos dramas psicológicos nesta temática, tais como filmes onde um amado que parte e se encontra ainda presente na vida do protagonista.
Tais cenários não são limitados apenas pelo cinema. Muitas pessoas levam uma bela vida ao "comunicar" com os mortos. E alguém que tenha estudado a Bíblia sabe acerca da "ressurreição" com os mortos que é esperada acontecer com a vida do Messias.
"Portanto profetiza, e dize-lhes: Assim diz o Senhor Jehovah: Eis que eu abrirei os vossos sepulcros, e vos farei subir das vossas sepulturas ... E porei em vós o meu Espírito, e vivereis.."
Ezequiel 37:12—14
Na verdade, não apenas a Bíblia, mas o maior texto Cabalisto, O Livro do Zohar, fala acerca de ressurreição. "Os mortos irão levantar-se com os seus defeitos," diz o texto misterioso (O Livro do Zohar, “Emor,” 17). Estão estes versos a tentar dizer-nos que iremos eventualmente testemunhar um "filme de terror" na vida real? Seremos as testemunhas - uma noite escura, sob lua cheia - à emergência dos mortos de suas sepulturas e se juntarem a nós em celebração do Messias, que virá montado num cavalo branco?
Desfazendo o Mito
No seu artigo, "Introdução a O Livro do Zohar," o Cabalista Yehuda Ashlag (Baal HaSulam), autor do Comentário da Sulam (Escada) aO Livro do Zohar, levanta o véu do texto do Zohar, descobrindo o verdadeiro significado por trás da "ressurreição dos mortos." Ele escreve, "Tenham em mente, que toda a sabedoria da Kabbalah é fundamentada em assuntos espirituais que não ocupam nem tempo ou espaço." (Talmud Eser Sefirot, capitulo 1, item 1)
Por outras palavras, qualquer texto Cabalistico, incluindo as Sagradas Escrituras, devem ser lidas com o entendimento de que nem uma palavra nestas lida com as categorias de tempo, espaço ou quaisquer objectos físicos. Então como podemos compreender a descrição Bíblica da "ressurreição dos mortos"?
Primeiro, temos de eliminar o mito fora de moda de que "os mortos" (isto é, uma colecção de corpos em estados avançados de decomposição) se irão pôr de pé, rebentar os seus túmulos de mármore e invadir o mundo dos vivos. Tais como todas as descrições que se encontram nos livros sagrados, a "ressurreição dos mortos" é um processo que lida com as almas das pessoas, não seus corpos.
Uma Linguagem Espiritual
Na Kabbalah e nos livros sagrados tais como as Escrituras, palavras como "cérebro," "ossos," e "carne" não se referem aos nossos corpos físicos. Por muito surpreendente que possa soar, estes dão nome na verdade aos órgãos espirituais que constituem as nossas almas. Então, "a ressurreição dos mortos" é um processo espiritual onde damos vida aos nossos "corpos" espirituais - as nossas almas.
Baal HaSulam explica que cada um de nós irá atravessar este processo espiritual ao longo da sua vida neste mundo. Para o compreender, temos primeiro de aprender sobre o processo que as nossas almas atravessaram antes de chegar ao seu presente estado.
"Eis, que antes das emanações serem emanadas e as criaturas criadas, a Luz Simples Superior preencheu a existência no seu todo. E não havia vazio, como uma atmosfera vazia, um vácuo ou um poço, Mas tudo foi preenchido com a Luz Simples Sem Fronteiras."
Isaac Luria (o Ari),
Árvore da Vida
Na citação acima, o grande cabalista do século XVI, o Ari, descreve o estado que precedeu a nossa existência. A "Luz Superior" refere-se ao Criador, cuja única qualidade ou desejo é dar às Criaturas. O pensamento do Criador causou instantaneamente o surgimento da alma humana - uma entidade espiritual que consiste de inúmeras almas individuais, interligadas e entrelaçadas de forma perfeita.
Uma vez que o único desejo do Criador é deleitar as Criaturas, Ele dotou-as (nós) com a habilidade de receber todo o deleite e abundância que Ele deseja dar.
Isto significa que Ele nos criou com uma natureza totalmente oposta à Sua - o desejo de receber prazer.
Assim que o Criador criou esta vontade de receber, ou "a alma," Ele preencheu-a com abundância infinita, chamada "Luz." Neste estado, a alma assemelhava-se a um feto no ventre da sua mãe, onde tudo o que precisava era providenciado e estava rodeado por calor e nutrição. Todavia, tal como um feto, a alma estava inconsciente do processo que estava a atravessar ou até da sua própria existência.
Uma vez que a alma não estava ainda consciente da sua existência, o prazer que conseguia sentir nesta fase inicial era limitado: Embora esta estivesse envolta na Luz Infinita. Tal como não conseguimos apreciar uma refeição deliciosa sem que antes desenvolvamos um apetite, também a Criação não conseguia sentir toda a abundância que o Criador lhe desejava dar.
De forma a avançar deste estado, a alma atravessou vários processos para desenvolver a sua consciência. Esta tornou-se separada da Fonte do prazer, o Criador, porque só então poderia desenvolver um verdadeiro desejo por Ele. Esta separação do Criador, a ausência de Luz dentro da alma, é o que sentimos como "este mundo." Este serve um propósito importante, dando-nos a oportunidade de adquirir a consciência necessária para sentir a Luz na sua totalidade. Só então poderemos conscientemente sentir como a "Luz Superior" nos rodeia e nos preenche com amor e calor infinitos.
Morte e Ressurreição
O estado de "este mundo" é o que sentimos no presente depois do Criador ter separado a alma humana de Si mesmo e a distanciado da Sua Luz. Esta é uma fase temporária cujo propósito é a de nos capacitar de encontrarmos o nosso caminho de volta para o Criador através da nossa própria vontade.
Esta separação do mundo espiritual é também chamada "morte espiritual" porque não sentimos a nossas vidas no mundo espiritual, onde estamos ligados com o Criador. Por outras palavras, "morte espiritual" é o estado onde a nossa natureza é tão oposta da natureza espiritual, que nem sequer sentimos a existência dos mundos espirituais.
O método da Kabbalah foi desenhado especificamente para nos ajudar a transformar a nossa natureza para que possamos subir de volta ao nível espiritual do Criador. Só então poderemos experimentar a "ressurreição dos mortos" - ou seja a ressurreição das nossas almas e a nossa habilidade de sentir a Sua Luz.
O método reside em substituir a nossa intenção egoísta com uma intenção de amor e entrega - as qualidades do Criador. Ao longo de todo o processo de correcção e elevação, encontra-mo-nos no meio de uma batalha entre duas qualidades ou forças - a força da recepção, por um lado e a força da entrega, por outro lado.
Gradualmente revelamos a nossa natureza egoísta, da qual não estávamos conscientes e começamos a identificar este estado como "morte espiritual." Começamos a sentir como todos os seus desejos são alimentados pela qualidade da recepção e sente-se cada vez mais repelido por esta qualidade. Eventualmente, chegamos a um ponto em que identificamos claramente a intenção egoísta que nos previne de ascender ao mundo espiritual e novamente estabelecer uma ligação à Fonte da vida - o Criador.
Neste ponto de consciência, a pessoa é totalmente repelida pela intenção egoísta enquanto ao mesmo tempo sente o maior anseio de se assemelhar ao Criador. À medida que nos voltamos ao Criador com um pedido do fundo do nosso coração, o Criador é revelado à pessoa, dotando-a com a qualidade do verdadeiro amor, incondicional e da entrega.
Quando a pessoa alcança esta qualidade espiritual, liberta-se do seu egoísmo e entra no mundo espiritual. A sua alma é "reanimada" ou "ressurrecta" e a pessoa sente a vida espiritual com a qual foi inicialmente criada.
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